Promotora admite receber ameaças no Norte Pioneiro

Ajuizadas 54 ações civis no ano passado

O Ministério Público do Paraná, por meio do Gepatria (Grupo Especializado na Proteção ao Patrimônio Público e no Combate à Improbidade Administrativa), ajuizou, em 2017, 54 ações civis públicas de improbidade administrativa no Norte Pioneiro. O órgão, estabelecido em Santo Antônio da Platina desde 2003, foi o primeiro focado nesta área no Estado, e está, desde 2009, sob a responsabilidade da promotora Kele Cristiani Diogo Bahena. “Agimos quando há denúncias envolvendo vários municípios da região, ou dando suporte especializado aos promotores em suas cidades”, explica. Grande parte dos processos diz respeito à utilização de dinheiro público para fins privados, fraudes em licitações, desvio de função, etc.

De personalidade forte e combativa, porém discreta, a promotora, que pediu para tirar fotos sem muita exposição de seu rosto, conta que já recebeu ameaças em seus 21 anos de trabalho no Ministério Público. “São municípios pequenos, estou há muitos anos na região, somos visados.”

Havia casos em que a esposa do vereador era cargo comissionado na Prefeitura. Uma situação imoral, pois, como o vereador vai atuar livremente para fiscalizar o Prefeito?”

Porém, ela vê o quadro atual com otimismo. “Os gestores hoje não têm mais esse perfil, são mais sérios.” Segundo a promotora, desde que assumiu o Gepatria, os TAC (Termos de Ajustamento de Conduta) foram seu principal instrumento de trabalho. “Percebemos que havia falta de informação, por isso trípios”, explica. Em 2009 foi lançado um manual de boas práticas para os gestores, além de reuniões frequentes com prefeitos, presidentes de câmaras e diretores de autarquias. “Hoje não podem mais alegar desconhecimento. Faz errado quem quer.”Trabalhamos muito com o preventivo, evitando as irregularidades, promovendo correções em colaboração com os municípios”.

COMISSIONADOS
Ao assumir o Gepatria, um dos principais problemas que a promotora encontrou na região foi o grande número de cargos comissionados. “Tinha prefeitura só com cargos comissionados. O prefeito fazia sua gestão e quando saia, todos os trabalhadores da prefeitura saiam junto. Em um município próximo, com 10 mil habitantes, havia mais de 100 assessores. Em outro havia sete tipos diferentes de assessores: assessor motorista, assessor professor, assessor administrativo, etc. Cargos que deveriam estar sendo ocupados por servidores concursados.” A promotora não quis citar os municípios, uma vez que, segundo ela, a situação já está regularizada. “Trabalhamos para que fossem extintos os cargos irregulares e criados efetivos, com funções determinadas.” Desde 2009 mais de 5 mil cargos foram regularizados na região.

Segundo a promotora, os cargos comissionados irregulares geram prejuízos. “Geralmente é cabide de emprego em decorrência da nossa cultura eleitoral de loteamento de cargos em troca de apoio político. Onde poderia haver um apenas trabalhando, tem 3. Além disso, muitos comissionados não são fiscalizados, não cumprem horário, não possuem funções definidas, geralmente não têm preparo para a atividade”.

CONCURSOS
“Não havia concurso sério. Já aconteceu do servidor que ajudou a formular o concurso passar em primeiro lugar, com a esposa. Provas sem conteúdo mínimo da área de conhecimento do cargo. Houve um teste para médico onde 70% das questões não eram sobre medicina. Então recomendamos que fossem feitos em convênio com universidades renomadas, e a maioria dos entes têm seguido essa orientação hoje”.

CÂMARAS Conforme a promotora, há 15 anos era frequente na região não haver separação entre Prefeitura e Câmara Municipal na prática. “O Legislativo não tinha estrutura própria. Os funcionários da prefeitura eram os mesmos da Câmara, a verba era o prefeito que passava, não tinha autonomia. Em alguns locais a Câmara funcionava em uma sala da prefeitura. Então, se hoje a população acredita que os vereadores não fiscalizam o Executivo, imagina naquela época! Nós tivemos que fazer apartar, promover concurso específico, com verba própria, para os vereadores terem liberdade para atuar.”

LICITAÇÃO
“O ralo do dinheiro público é licitação. Quando não há transparência, a fraude acontece na escolha da empresa ou na execução do serviço”, afirma a promotora. Ela cita casos emblemáticos da região em compra de medicamentos, peça para veículos, combustível, etc. “O município apresentou nota fiscal de compra de medicamentos, mas o farmacêutico nos disse que nunca viu os remédios. Será que realmente houve a compra ou mascararam o desvio de verbas? Muito comum também em veículos: peças que são compradas três vezes para o mesmo carro, ou adquiridas para veículos já inutilizados. Teve um caminhão que foi arrumado 15 vezes. Ficava mais barato comprar um novo.”

Um dos casos mais escandalosos ocorreu na contratação de serviços mecânicos pelo Estado para conserto de veículos da polícia, e outros órgãos estaduais. “O trâmite foi direcionado. As empresas eram de Cornélio Procópio e Jacarezinho. Cobravam preços muito acima do mercado, era mais caro que na concessionária. O serviço também altíssimo e os carros voltavam piores do que entravam. Houve superfaturamento.”

PROMOÇÃO PESSOAL
Outra luta levantada pelo Gepatria foi o combate à promoção pessoal na administração. “O prefeito assumia e colocava seu slogan nos carros do Município. Teve casos de pintarem os prédios públicos com a cor de campanha. Em outra cidade, o prefeito ganhou por quatro votos e colocou quatro pessoas no slogan da prefeitura, remetendo à vitória”. O caso que mais chamou a atenção no Norte Pioneiro, porém, foi o de um prefeito que mandou emplacar toda frota com as iniciais de um familiar dele. “Compraram a placa no Detran. Quando descobrimos fizemos uma recomendação para que essa prática fosse proibida por entes públicos no Estado, e foi seguido.” Conforme a promotora, o correto é colocar o brasão ou a bandeira do município. “Os gestores passam, a administração fica. Como são bens públicos, é proibido pessoalizar. Qualquer ato nesse sentido é improbidade administrativa.”

MORALIDADE
Nepotismo era recorrente na região há 10 anos. “Empregavam a família toda. Havia casos em que a esposa do vereador era cargo comissionado na Prefeitura. Uma situação imoral, pois, como o vereador vai atuar livremente para fiscalizar o Prefeito?” Conforme a promotora, nesses casos, havia uma orientação para desvinculação dessas pessoas. “Tivemos que ajuizar diversas ações, pois muitos teimaram em não demitir os envolvidas. Acredito que hoje essa situação já está mais controlada.”

As diárias de viagens também foram alvo de orientações por parte do Gepatria. “Recomendamos que fossem criadas leis reguladoras, com valores morais e publicadas nos portais de transparência. Hoje o que questionamos mais é a motivação das viagens. Vimos caso de pessoa que ia mensalmente para Curitiba fazer curso, e depois verificamos que não comparecia. Outros faziam curso sem relação com a atividade que exerciam. Pessoas que viajam apenas para a posse de uma autoridade. É necessário sempre perguntar qual o retorno que haverá para o povo. O funcionário que está indo fazer a visita tem atribuição para tal função? É realmente importante? Ou seja, cuidar do dinheiro público.”

POVO
Para a promotora, a corrupção no Norte Pioneiro não é maior que em outras regiões. “Acredito que houve evolução nos últimos anos. A maioria dos prefeitos da nossa região, hoje, mostra seriedade. Há municípios pequenos que são exemplo de gestão. Vejo que aos poucos o perfil do administrador está mudando, pois a população pede melhorias.”

Para Bahena, a corrução só existe porque os mecanismos de controle são frouxos. “O Brasil não é o país mais corrupto do mundo, como dizem. Quando um agente sabe que se fizer coisa errada, será punido, ele não faz. Então o ideal é que a população se envolva, não deixe apenas na mão dos vereadores, deputados, polícia o MP. Se foi no posto de saúde e não tem médico, tem que reclamar. O ensino não é ideal na escola pública, tem que reclamar. A criação de um Observatório Social, Conselhos Municipais, é excelente. A gestão tem que ser colaborativa. Quanto mais gente acompanhar, menos corrupção.” (Texto: Rúbia Pimenta/Foto: Junior Molão/FL).

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